quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Essa nossa sombra

Você jura que nunca teve vontade de torcer o pescocinho de alguém? Jogar torta na cara? Falar umas verdades? Pois perdeu uma grande chance. Não desperdice agora a oportunidade de conhecer mais de perto suas emoções negativas. Acredite, pode fazer um bem danado

por Liane Alves para Vida Simples março de 2007.

Tenho um amigo que é totalmente zen. Ninguém tira o moço do sério. Foi despedido por causa de uma sacanagem feita por um colega de trabalho (e ele não conseguiu balbuciar uma frase sequer em sua própria defesa), vez por outra recebe em sua casa amigos que aparecem para ficar uma semana e estendem o prazo para longos três meses e já vi gente pegar alguns bons CDs da sua estante com um cínico e deslavado “depois eu devolvo” sem que ele esboçasse um único gesto para impedir. Meu amigo não consegue expressar sua agressividade. Num mundo onde a maioria não tem a menor cerimônia em arreganhar os dentes e abrir seus caminhos com os cotovelos, ele tem horror em ver nele mesmo essa reação primitiva que solapa a vida dos outros mortais (ele não, ele não...). Até que um dia, na minha casa, depois de umas três ou quatro caipirinhas, meu amigo começou a despejar ódios e fúrias que provavelmente tinha guardado desde a infância. A minha mesa da cozinha, que já não é essa fortaleza, tremia a cada soco seu, por causa da prepotência de um, da falsidade do outro. Cada gozação recebida, cada injustiça passada estava registrada em sua memória. Tive a impressão de que, se o rapaz dos CDs passasse por ali, teria sua mão decepada, e o colega de trabalho, os dentes moídos. Os hóspedes inconvenientes seriam postos para fora a sopapos. Depois de socar e socar, terminou chorando pelo verdadeiro motivo de sua ira: a incapacidade de entrar em contato com as emoções negativas.

Bem, minha cozinha está longe de ser um set terapêutico, mas, ao encontrar o moço alguns dias depois, vi um sorriso em seus lábios que não estava ali antes. Ele se sentia um pouco envergonhado, sim, mas feliz. Um peso enorme havia saído de seu coração, me garantiu. Um alívio. Estava supercontente por ter descoberto que era capaz de expressar sua agressividade. Claro, ele reconhecia que ainda tinha de aprender a saber como aplicá-la na hora certa, a regular seu volume, e que isso custaria tempo e trabalho. Tinha encontrado cara a cara seu lado negro, sua sombra, de quem tinha tanto pavor (a ponto de negar sua existência). A partir daquele momento, me assegurou, tudo era uma questão de calibragem. Pode ser imaginação minha, mas a partir desse dia passei a ver muito mais cor e vida em seu rosto.

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