quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Males ambientais

24/10/2007 Por Murilo Alves Pereira, de Atibaia (SP)
Agência FAPESP – A relação entre as ciências da terra e as ciências médicas pode ajudar a entender muitos problemas de saúde humana. É o que indicam os trabalhos de uma equipe de pesquisadores responsável pelo Projeto de Geomedicina no Paraná, que busca compreender a influência de fatores ambientais na incidência de câncer em crianças naquele estado.

“O câncer é um doença multifatorial, não é possível associar a sua incidência diretamente a um único fator”, disse Bonald Figueiredo, médico do Instituto Pelé Pequeno Príncipe e professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR), à Agência FAPESP.

Humberto Cereser Ibañez, mestre em informática pela UFPR, apresentou o projeto na Conferência sobre Geologia Médica, durante o 11º Congresso Brasileiro de Geoquímica, realizado em Atibaia (SP) até a próxima sexta-feira (26/10). Da França, Figueiredo participou do evento por meio de videoconferência.

O projeto sobrepôs o número de casos de neoplasias a levantamentos geoquímicos feitos nas bacias hidrográficas do Paraná, buscando uma relação entre essas informações.
O Paraná é, em todo o mundo, a região na qual ocorre a maior incidência do câncer de córtex adrenal, um tipo raro da doença – 3,5 casos por milhão, em média. A doença se desenvolve entre 10 meses e 3 anos de idade, mas tem início na gestação.

Segundo Ibañez, esse tipo de câncer está associado a uma mutação na proteína P-53, responsável pela proteção das células. “Essa proteína faz uma ‘vistoria’ da célula, verificando se está tudo em ordem”, explicou. Com a mutação, a célula se multiplica sem controle, fazendo crescer o tumor.

Todos os casos desse tipo raro de câncer apresentam a mutação, que se transmite por hereditariedade. A regra oposta, no entanto, é diferente: somente 5% das pessoas que possuem essa mutação desenvolvem o câncer. “Quando o câncer é identificado e tratado precocemente, a cura ocorre em 100% dos casos”, disse o pesquisador. Altos teores de contaminação
O Instituto Pelé Pequeno Príncipe iniciou as pesquisas em 2006 e busca fazer um mapeamento das cidades nas quais ocorrem casos da mutação. De 2006 a 2007, foram feitos cerca de 150 mil testes de DNA em crianças recém-nascidas. A intenção é atingir os 200 mil testes até abril de 2008. Algumas regiões do estado apresentam números elevados da doença, chegando a 5,56 casos por 100 mil habitantes.

Os casos da doença foram sobrepostos aos dados da Minérios do Paraná (Mineropar), empresa responsável pelo serviço geológico do estado que, entre 1995 e 1996, fez 736 coletas de água das bacias hidrográficas paranaenses.

No norte do estado foi encontrado chumbo em sedimentos em concentração de 564 partes por milhão. A região do Vale do Ribeira paranaense também apresentou teores elevados de chumbo e mercúrio.

Outra questão considerada pela pesquisa foi a quantidade elevada de agrotóxicos consumida. Segundo maior produtor agrícola do país, atrás somente do Mato Grosso do Sul, o Paraná está sujeito a grande carga de agentes químicos.

“Buscamos entender a doença tendo em vista o levantamento geoquímico e a questão dos agrotóxicos”, disse Ibañez. Um sistema disponível na internet mostra todas as informações obtidas nos diferentes estudos.

Em alguns casos, como o do Vale do Ribeira, percebe-se a coincidência entre o acentuado número de mortes por neoplasias e a contaminação ambiental. Na região, em que há presença de alto teor de chumbo, a mortalidade por leucemia é de 20 pessoas por 100 mil habitantes.
Mas tanto Ibañez como Figueiredo recomendam cautela na avaliação do assunto. “Ainda não é possível relacionar com certeza o chumbo e o câncer, mas essas informações servem como pistas para novas pesquisas”, disse Ibañez.

O próximo passo do projeto será tornar disponível na internet um link para outros pesquisadores interagirem com o trabalho. A Mineropar, por sua vez, inicia uma nova coleta para análise geoquímica dos mesmos 736 pontos pesquisados anteriormente.

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