Respirar, sentir, movimentar-se. Assim, cada um de nós intensifica o contato com o corpo e o ajuda a liberar emoções reprimidas e dores físicas. Essa foi a conclusão de Alexander Lowen, pai da bioenergética, uma corrente de terapia corporal para a qual o corpo sempre fala a verdade.
Por Roberta De Lucca
Revista Bons Fluidos - 10/2007
Preste atenção em sua respiração. Você inspira pelo peito ou pelo abdômen? Como solta o ar? Rápida ou lentamente? É isso mesmo. As pessoas quase nunca observam como inspiram e expiram.
Essa análise do corpo humano é um dos pilares da bioenergética, uma linha de psicoterapia criada pelo médico americano Alexander Lowen entre as décadas de 1940 e 50. Para ele, ter o corpo vibrante e saudável é a chave de uma vida feliz. E isso nada tem a ver com malhação ou condicionamento físico orientado por caminhadas e exercícios aeróbicos e anaeróbicos.
O que Lowen descobriu é que toda musculatura contraída tem uma emoção guardada. E por isso, quando o corpo é exercitado e relaxado, ele consegue liberar emoções reprimidas, minimizando também os medos, as inseguranças e até a dor física.
O resumo deste trabalho, que revê a importância do corpo, acabou de sair em livro no Brasil: é a autobiografia de Lowen, Uma Vida para o Corpo (ed. Summus). A obra foi concluída em 2004, antes de o médico sofrer o derrame cerebral que tirou boa parte de sua fala e mobilidade aos 96 anos.
O QUE O CORPO ENSINA À MENTE, E VICE-VERSA
Antes da bioenergética propriamente dita, nasceu a terapia corporal pelas mãos do psicanalista húngaro Wilhelm Reich, ex-discípulo de Freud (o pai da psicanálise), que resgatou a importância do corpo para a compreensão das emoções e dos sentimentos.
"Freud se preocupava com o que o paciente falava e Reich observava como ele falava, analisando sua respiração e expressão corporal", diz o médico e psicoterapeuta Ricardo Amaral Rego, diretor do Instituto Brasileiro de Psicologia Biodinâmica.
Reich rompeu com a separação entre corpo e mente, tão comum nas terapias de então. Ele compreendeu que o que afeta o corpo repercute na mente, e vice-versa. Também passou a estudar como o corpo é regido e conduzido por uma energia que ele batizou de orgônio- conhecida por ch'i na medicina tradicional chinesa e por prana pelos hindus.
O trabalho de Reich era inovador para a psicanálise e para a sociedade ocidental, pois defendia que a vitalidade dessa energia contribui para o bem-estar do ser humano. Empolgado, ele mergulhou em pesquisas para descobrir a origem dessa energia e deixou aberto o campo para estudos da correlação mente/corpo.
"Nesse vácuo, Lowen, ex-paciente e aluno de Reich, encontrou espaço para sistematizar o trabalho do mestre", explica o psicoterapeuta Rubens Kignel, de São Paulo.
ENERGIA VIBRANTE
Lowen partiu do princípio de que a boa relação entre corpo, mente e energia é a base para uma vida plena. Na prática, se a pessoa está triste devido a uma perda, ela se sente enfraquecida para reagir porque o organismo não produz a energia de que ela precisa para se animar.
Por isso, o terapeuta acredita ser difícil alguém deprimido ficar bem e pensar positivamente se seu nível de energia estiver baixo. Aí entra a análise bioenergética: para resolver o descompasso. A fórmula conta com um equilíbrio na equação mente/corpo/energia, com base no estudo dos estados emocionais e energéticos do corpo.
Numa sessão de bioenergética, além de conversar como em qualquer outro tipo de psicoterapia, o terapeuta pede que o paciente faça alguns exercícios físicos. O objetivo é destravar tensões musculares- geradas por estresse, tristeza, ansiedade e problemas psicológicos- e levar a pessoa a respirar livremente, já que a emoção interfere no fluxo respiratório.
"Por conta dos seus problemas emocionais, um paciente pode aprisionar a respiração, isto é, entrar num padrão de inspirações e expirações curtas e apressadas, que tensionam os músculos e distanciam o indivíduo do contato com o seu corpo", afirma Liane Zink, diretora do Instituto Brasileiro de Análise Bioenergética, ex-aluna de Lowen. Os exercícios da bioenergética colaboram para a respiração fluir novamente.
PRESENTE NA VIDA
O resultado da terapia é um ser humano mais integrado consigo mesmo, seus desejos, sua verdade e, conseqüentemente, mais presente em tudo o que acontece na vida. "Diminui aquela sensação de estar sendo levado pelos acontecimentos, de viver no piloto automático", considera Rubens Kignel.
Essa consciência é trabalhada por meio do conceito de grounding (o fundamento mais importante da bioenergética), que significa "estar enraizado". Para sentir o corpo enraizado, Lowen desenvolveu exercícios (clique e veja quadro) que mesclam respiração e posturas.
"Após esses exercícios, a pessoa percebe que está inteira numa relação- seja ela amorosa, de trabalho, com os filhos ou com seus valores. O grounding pode mostrar os medos do paciente, fazendo-o enfrentá-los", explica Liane.
Estar cheio de vida e energia é a idéia loweniana de saúde física e mental. Manter essa ligação dá ao ser humano a possibilidade de se expressar livremente e alcançar a graciosidade. Afinal, como o pai da bioenergética diz: "Na ausência do sentir, o movimento se torna mecânico e as idéias se tornam abstrações".
Se é verdade que alguns distúrbios diminuem a graça do corpo e debilitam sua saúde, também é fato que o resgate dessa graça recupera o bem-estar. "O paciente aprende a estar com o melhor de si e a aceitar que existem incompletudes, mas que é possível viver em harmonia assim", afirma Kignel.
OUTRAS LEITURAS DOS MOVIMENTOS
Além de Alexander Lowen, outros psicoterapeutas neo-reichianos desenvolveram trabalhos importantes no campo da terapia corporal, como a biodinâmica e a biossíntese.
Biodinâmica
Foi criada no fim da década de 1960 pela psicóloga e fisioterapeuta norueguesa Gerda Boyesen. "Ela desenvolveu uma terapia mais suave e maternal que a bioenergética. As sessões misturam fala e exercícios, mas a parte física é menos incisiva que na terapia de Alexander Lowen. A técnica trabalha as questões do paciente com mais leveza e resgata a criança interior", explica Ricardo Amaral Rego, diretor do Instituto Brasileiro de Psicologia Biodinâmica.
Dado o vasto conhecimento de Gerda sobre as características da musculatura, ela desenvolveu um método de massagem que visa desbloquear músculos e tecidos do corpo.
Biossíntese
Com base no estudo do desenvolvimento do feto na década de 1970, o pedagogo e psicoterapeuta inglês David Boadella entendeu a influência que o feto recebe da mãe e do meio ambiente e concebeu dois conceitos fundamentais da biossíntese- o útero receptivo e o útero rejeitador ao bebê.
Dependendo de como foi a relação mãe/feto, o bebê pode se tornar um adulto receptivo ou rejeitador a pessoas, situações e desafios da vida. "Boadella também desenvolveu conceitos de movimento e postura. Cada uma delas está ligada a situações de abrir-se e fechar-se a si e ao mundo", explica o psicoterapeuta Rubens Kignel.
Independentemente da linha, o fato é que as terapias corporais se mostram muito úteis para levar o homem a olhar mais para seu corpo e compreender que o bem-estar físico e mental são unos e uma valiosa ferramenta para o entendimento de si próprio.
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quarta-feira, 23 de abril de 2008
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