Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – O ácido retinóico, substância derivada da quebra da vitamina A no organismo, pode ter um papel fundamental na regulação de inflamações. Com participação decisiva de um cientista brasileiro, a descoberta feita por uma equipe do Instituto La Jolla para Alergia e Imunologia (Liai), nos Estados Unidos, poderá abrir caminho para novos tratamentos de doenças inflamatórias e auto-imunes, como artrite reumatóide e colite.
Os pesquisadores demonstraram em camundongos que a manipulação da quantidade de ácido retinóico afeta o número de células T inflamatórias, um tipo de glóbulo branco cuja ação está ligada a várias doenças auto-imunes e inflamatórias.
De acordo com Daniel Mucida, pós-doutorando do Liai e autor principal de artigo publicado no mês passado na revista Science, o estudo repercutiu especialmente entre os grupos que trabalham com artrite reumatóide e com modelos animais de esclerose múltipla. Além de gerar reportagens nos jornais USA Today e Washington Post, o estudo foi também citado na revista Nature e será comentado na edição de 13 de julho da revista Cell.
“Se a descoberta for eventualmente validada em humanos, ela poderá representar o primeiro passo para o desenvolvimento de terapias que usem o ácido retinóico para tratar essas doenças. A vantagem é que se trata de uma substância produzida naturalmente pelo corpo”, disse Mucida à Agência FAPESP.
Biólogo formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mucida foi bolsista da FAPESP de doutorado, que cursou no Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP).
Sob orientação do professor Momtchilo Russo, do ICB, o trabalho de doutorado de Mucida teve menção honrosa do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sendo premiado entre as três melhores teses do país em biologia. No começo de 2006, mudou-se para os Estados Unidos.
De acordo com o cientista, o ácido retinóico atua na modulação das duas linhagens distintas de células T: as células T reguladoras, que são antiinflamatórias, e as células Th17, inflamatórias.
Segundo Mucida, estudos anteriores mostraram que as células dendríticas dos intestinos têm capacidade única de produzir o ácido retinóico a partir da vitamina A. Quando o produzem, fazem com que as células T possam migrar para o órgão.
“Comparamos as células dendríticas do intestino com as de outros órgãos, como o baço. Com isso, vimos que as células intestinais têm capacidade de induzir mais células T reguladoras – que suprimem inflamações – e ao mesmo tempo são menos capazes de induzir células Th17, que são inflamatórias”, explicou.
Impedindo a inflamação
Fazendo três diferentes testes com o ácido retinóico, os pesquisadores elaboraram um mecanismo pelo qual é possível impedir o desenvolvimento da linhagem inflamatória da célula T – o que pode significar uma potencial aplicação farmacológica para a descoberta.
Em um dos modelos, os autores do estudo testaram como a redução do ácido retinóico afeta a inflamação. Foi usado um inibidor para bloquear a presença do ácido em camundongos. O teste levou à redução das celulas T antiinflamatórias, mostrando que a redução do ácido retinóico aumenta a inflamação.
“Depois, colocamos o ácido retinóico em uma cultura de células T e ocorreu o que esperávamos: inibimos as células inflamatórias TH17 e aumentamos as células reguladoras. Daí, partimos para estudar os mecanismos in vivo”, disse Mucida.
O ácido retinóico foi injetado em camundongos, elevando a quantidade deste metabólito da vitamina A nos animais. Isso suprimiu a formação de células T inflamatórias nos intestinos dos animais, demonstrando que o aumento do ácido retinóico reduz a inflamação.
Potencial para tratamentos
No terceiro teste, os cientistas trataram as células T com o ácido retinóico em ensaio in vitro. “Quando foram colocadas de volta nos camundongos – usamos modelos com infeccção intestinal (colite) – as células transferidas impediram totalmente a formação de células T inflamatórias em seus organismos, inibindo a colite”, explicou Mucida.
De acordo com o pesquisador, o último teste é especialmente notável, pois combinar o ácido retinóico e as células T fora do corpo pode evitar possíveis efeitos colaterais que são mais prováveis quando os cientistas tentam manipular os processos do organismo internamente.
“Confirmamos que podemos controlar a inflamação pela administração de ácido retinóico in vivo, ou podemos tratar células com ácido retinóico no tubo de ensaio e transferi-las para o organismo a fim de suprimir a inflamação in vivo, disse.
O artigo Reciprocal Th-17 and regulatory T cell differentiation mediated by retinoic acid, de Daniel Mucida e outros, pode ser lido por assinantes da Science no serviço Science Express em www.sciencexpress.org.
quarta-feira, 4 de julho de 2007
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