terça-feira, 18 de março de 2008

Dieta de risco

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Uma pesquisa feita na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) põe em evidência importantes mudanças no padrão de consumo alimentar paulistano. Os resultados atestam que, nas últimas três décadas do século 20, houve um declínio no consumo de alimentos básicos, como cereais e derivados, e de frutas e hortaliças, ao passo que se verificou um aumento da participação de alimentos de baixo teor nutricional, como biscoitos e refrigerantes.

O estudo analisou a disponibilidade de alimentos em domicílios da cidade de São Paulo, e não o consumo propriamente dito. Foram utilizados dados das Pesquisas de Orçamento Familiar (POF), realizadas pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP (Fipe) em dois períodos distintos: de 1971 a 1972 e de 1998 a 1999. Ambas as pesquisas mapearam a região urbana do município. As amostras das POF se referem a um universo de 2.380 domicílios (10.418 indivíduos) e de 2.351 domicílios (7.980 indivíduos), respectivamente.

“As mudanças verificadas na disponibilidade domiciliar de alimentos em São Paulo entre as décadas de 1970 e 1990 têm aspectos positivos – como um melhor acesso aos alimentos e seu barateamento em relação ao salário das famílias – e negativos – como o consumo excessivo e desbalanceado de calorias ”, disse à Agência FAPESP Rafael Moreira Claro, doutorando na Faculdade de Saúde Pública da USP e um dos autores do estudo, cujos resultados foram publicados em artigo na Revista de Nutrição.

De acordo com o pesquisador, na prática se pode fazer uma associação entre o padrão de alimentação e as doenças de determinada população. “O que se viu, desde a última metade do século 20, foi uma gradativa substituição dos problemas associados ao consumo insuficiente de alimentos, como a desnutrição, por aqueles associados ao consumo excessivo e desbalanceado, como a obesidade e as doenças cardiovasculares”, explicou.

O amplo período compreendido entre as POF possibilitou confirmar tendências de alimentação, como a substituição do consumo de manteiga por margarina, bem como a expansão na disponibilidade de alimentos processados, que registraram aumento de 500% para doces, 300% para refrigerantes e de 400% para biscoitos, itens muito menos comuns nos mercados na década de 1970.

O estudo constatou ainda um aumento na disponibilidade de alimentos de origem animal, como carnes e leite. “Apesar de a tendência apresentar características positivas devido ao aumento no consumo de proteínas e de cálcio, tais alimentos também constituem fontes de gordura animal e de colesterol, nutrientes danosos à saúde quando consumidos em quantidade excessiva”, disse Moreira Claro.

O resultado é semelhante ao encontrado em diferentes áreas metropolitanas no Brasil, mas São Paulo apresentou, segundo o estudo, maior participação de gorduras totais e menor percentual energético de carboidratos. O fenômeno, contudo, não ocorre somente em metrópoles como São Paulo e Nova York, onde os índices de obesidade provocados pelo excesso de alimentos se tornaram um grave problema de saúde pública.

“A grande confusão se dá pelo fato de esse fenômeno se iniciar nas grandes cidades, onde há necessidade de alimentos mais convenientes (de preparo e consumo fáceis e rápidos) e o marketing de consumo sobre alimentos processados é maior. Além disso, as oportunidades para prática de atividade física são cada vez mais limitadas. No entanto, a tendência é que, com o tempo, essas mudanças afetem também o estilo de vida em cidades menores e elas passem a apresentar altas taxas de obesidade”, indicou o pesquisador.


Informação nutricional

De acordo com os resultados, a participação do ferro se manteve estável devido, em grande parte, ao aumento do consumo de alimentos de origem animal, como a carne bovina. Contudo, o estudo aponta um decréscimo na quantidade de vitaminas, principalmente a vitamina C, e folato, ausência atribuída à diminuição na participação de frutas, verduras e legumes na dieta.

Para Moreira Claro, a análise da evolução dos padrões alimentares da população propicia subsídios para melhor compreender o assunto e implementar políticas públicas mais eficazes. Segundo ele, ações individualizadas para combater as doenças geradas pela obesidade parecem surtir pequeno efeito. Imposição de taxas a alimentos não saudáveis ou ainda isenções fiscais que barateiem alimentos saudáveis são algumas das opções discutidas.

“Medidas como a proibição da venda de alimentos não saudáveis em creches e escolas, avanços quanto à rotulagem de alimentos e a inserção de temas relacionados à educação nutricional nas escolas têm se mostrado satisfatórios. Iniciativas como a Lei nº 4508, aprovada em 2005 e que proíbe a comercialização de produtos que colaborem para obesidade infantil em cantinas de escolas do Estado do Rio de Janeiro, e a Resolução RDC nº 360, de 2003, que aprova regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados tornando obrigatória a rotulagem nutricional, são bons exemplos de ações que afetam um grande número de indivíduos”, destacou.

Para ler o artigo Evolução da disponibilidade domiciliar de alimentos no município de São Paulo no período de 1971 a 1999, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

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