segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Entre riscos e benefícios

Mente e Cérebro
O uso continuado de antidepressivos por crianças e adolescentes pode levar a alterações imprevisíveis na química e na estrutura cerebral. O tema preocupa autoridades de saúde e divide a opinião dos médicos
por Paul Raeburn

Em fevereiro de 2004, o corpo da universitária Traci Johnson, de 19 anos, foi encontrado no banheiro de uma clínica, preso por uma echarpe ao cano do chuveiro. O motivo pelo qual a jovem acabara com a própria vida era um mistério; a família e os amigos disseram que ela não apresentava sinais de depressão ou descontentamento. Semanas depois, porém, tornou-se suspeito o fato de Traci ter sido voluntária em um ensaio clínico de uma droga antidepressiva. Os pesquisadores da empresa Eli Lilly notaram, então, que outros quatro pacientes, que haviam recebido o mesmo medicamento em estudos clínicos semelhantes, também haviam se suicidado. Em outubro do mesmo ano, o FDA, departamento americano de controle de alimentos e medicamentos, determinou que as embalagens dos antidepressivos tivessem advertências, em tarja preta, sobre o risco de suicídio entre crianças e jovens tratados com esses fármacos.

A morte de Traci e a advertência do FDA chamaram atenção da opinião pública para a dificuldade de tratar a depressão em populações mais jovens tema sobre o qual muitos médicos ainda divergem. O psiquiatra Graham Emslie, do Centro Médico da Universidade do Texas em Dallas, foi um dos primeiros a usar, na década de 80, esse tipo de droga em crianças e adolescentes gravemente deprimidos que, segundo ele, corriam risco de vida. Na época, o Prozac havia acabado de ser lançado e estava se mostrando muito eficaz no tratamento de adultos. Apesar disso, ninguém sabia dos seus efeitos no cérebro em desenvolvimento.

Frustrados com a falta de alternativas, no entanto, Emslie e mais alguns psiquiatras começaram a prescrevê-los para uso pediátrico, na esperança de que os benefícios fossem maiores que os riscos, ainda que não existisse evidência alguma a favor dessa hipótese. Apesar das incógnitas, o uso de antidepressivos em crianças e adolescentes explodiu durante os anos 90. Segundo a farmacêutica Julie M. Zito, da Universidade de Maryland, cerca de 1,5 milhão de indivíduos menores de 18 anos estão sendo tratados com essas drogas nos Estados Unidos (ver quadro na pág. ao lado).

ALÍVIO INSTANTÂNEO
Pesquisas recentes sugerem, entretanto, que o suicídio é apenas um dos riscos potenciais do tratamento farmacológico da depressão. Há evidências de que o Prozac e outras drogas semelhantes podem interferir no processo de desenvolvimento e maturação do cérebro infantil. Embora os estudos não sejam conclusivos, alguns especialistas acreditam que nesses casos seja não propriamente um tratamento, mas a troca de um diagnóstico por outro. Muitas crianças que tomam esses medicamentos conseguem alívio de curto prazo para, mais tarde, desenvolverem outros problemas psíquicos.

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Paul Raeburn é jornalista e autor de Acquainted with the night (Broadway, 2004), sobre depressão e transtorno bipolar em crianças. - Tradução de Frances Jones

Parto normal reforça vínculo entre mãe e bebê

31 de outubro de 2008
Ligação é facilitada pela liberação do hormônio oxitocina, que altera circuitos neuronais

Áreas cerebrais de mulheres que passaram pela cesariana são menos sensíveis ao choro do recém-nascido

Diferentemente da cesariana, o parto normal modifica o cérebro das mães e as deixa mais sensíveis ao choro de seus bebês. Pelo menos é o que mostra um estudo realizado na Universidade Yale e publicado no The Journal of Child Psychology and Psychiatry. Os pesquisadores compararam seis mulheres que deram à luz por meio do parto vaginal com seis submetidas ao cesáreo.

Durante as quatros semanas seguintes ao nascimento das crianças, o cérebro das mulheres foi examinado por ressonância magnética funcional ao mesmo tempo que ouviam uma gravação do choro de seus bebês. Os resultados mostraram que o estímulo ativou fortemente diversas áreas cerebrais das mães do grupo do parto normal, o que não aconteceu, ou aconteceu com muito menos intensidade, nas voluntárias que passaram pela cesariana.

A explicação para essa diferença parece estar na grande liberação do hormônio oxitocina, fundamental para as contrações do parto e que, no cérebro, está relacionado ao vínculo emocional da mãe em relação ao filho. De alguma forma a oxitocina altera circuitos neuronais de áreas como o hipotálamo, a amígdala, lobo parietal superior, entre outras, todas ligadas à emoção, empatia e recompensa. Esse efeito é minimizado na cesariana, razão pela qual o número de casos de depressão pós-parto também é maior nestes casos, argumentam os autores.

A conclusão do estudo é mais um motivo para que as mulheres, sempre que possível, optem pelo parto normal. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o risco de complicações pós-parto, tanto para a mãe como para o bebê, é duas vezes maior nas cesarianas. O recado é particularmente importante no Brasil, campeão mundial nesse tipo de cirurgia, na maioria das vezes feita de forma desnecessária.

Defesas Celulares e a vitamina do Sol

Scientific American, Dez 2007
Cientistas reconhecem que a vitamina D faz mais que contribuir para o fortalecimento dos ossos. Mas a maioria das pessoas não a obtém em quantidades satisfatórias. Essa deficiência estaria contribuindo para o avanço de doenças mais graves?
por Luz E. Tavera-Mendoza e John H. White

A cura pelo Sol, como era chamada no começo do século 20, era o único tratamento eficaz conhecido contra a tuberculose antes do advento dos antibióticos. Embora não se soubesse ao certo o porquê, geralmente os pacientes tuberculosos enviados para tratamentos em localidades ensolaradas conseguiam recuperar a saúde. A helioterapia foi descoberta em 1822, por causa de outra epidemia histórica, a do raquitismo – doença infantil deformadora, caracterizada pela falta de resistência óssea. O auge do raquitismo ocorreu nos séculos 18 e 19, na Europa, coincidindo com a industrialização e o aumento da migração do campo para cidades com ar poluído. Nessa época, um médico da Varsóvia observou que eram raros os casos dessa doença no interior da Polônia. Ele começou a conduzir experiências com crianças urbanas e constatou ser possível curar o raquitismo com simples banhos de sol.

Em 1827, um cientista francês descobriu que também o óleo de fígado de bacalhau possuía excelentes propriedades para combater o raquitismo, mas o tratamento não se popularizou; em parte, porque a noção de micronutrientes invisíveis e vitais para a saúde, contidos nos alimentos, ainda não era bem compreendida. E quase um século se passaria antes que os cientistas estabelecessem a ligação entre a cura do raquitismo pela alimentação e os efeitos benéficos do sol. No início do século 20, depois de incluir pele irradiada na alimentação de ratos com raquitismo induzido artificialmente, pesquisadores constataram que ela apresentava as mesmas propriedades curativas que o óleo de fígado de bacalhau. O elemento crítico comum à pele e ao óleo de bacalhau foi finalmente identificado em 1922. Na verdade, ele imitava a vitamina D. Àquela altura, o conceito das “aminas vitais” (ou “vitalamines”, em inglês) já tinha se tornado popular e as pesquisas posteriores sobre as funções da vitamina D no organismo foram responsáveis por definir sua imagem como um dos micronutrientes indispensáveis que as pessoas podem obter a partir dos alimentos.

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Luz E. Tavera-Mendoza e John H. White trabalham juntos no laboratório de White na McGill University, nos Estados Unidos, pesquisando as atividades moleculares da vitamina D nas células humanas. Eles desvendaram aspectos de seu papel na prevenção do câncer e, junto com seus colaboradores, descobriram que a vitamina D regula certos genes envolvidos nas respostas da célula a micróbios invasores. Tavera-Mendoza atualmente é pós-doutoranda da Harvard Medical School, e pesquisa a vitamina D e câncer de mama. Após testemunharem a ação protetora da saúde da vitamina D em laboratório, os dois autores passaram a tomar suplementos durante períodos do ano, quando os raios solares são muito fracos nas cidades ao norte, onde moram, a fim de produzir a quantidade adequada na pele. White toma 4.000 UI de D3 diariamente durante os meses “invernais de vitamina D”, e Tavera-Mendoza toma 1.000 UI.

Um cérebro maior graças ao cozimento dos alimentos

Scientific American Fev 2008

Nossa inteligência nos permitiu conquistar o mundo. O segredo para um cérebro maior, afirma o antropólogo biológico Richard Wrangham, é o cozimento dos alimentos, que tornou a digestão mais fácil e liberou mais calorias
por Rachel Moeller Gorman

Por volta de alguns milhões de anos atrás, nossos ancestrais hominídeos começaram a trocar sua aparência rústica por uma testa proeminente. O que desencadeou o desenvolvimento de um cérebro grande e ávido por calorias como o nosso foi o cozimento dos alimentos, afirma Richard W. Wrangham, professor da Cátedra Ruth B. Moore de Antropologia Biológica no Peabody Museum of Archaeology and Ethnology da Harvard University. Ele defende sua teoria depois de décadas de estudo sobre nosso primo mais próximo, o chimpanzé.

No artigo "Cozinhando cérebros maiores," da edição de fevereiro de 2008 da Scientific American Brasil, Rachel Moeller Gorman conversou com Wrangham sobre chimpanzés, alimentos, fogo, evolução humana e as evidências para sua teoria polêmica. Aqui você pode conferir a entrevista completa.

Você é diretor do Kibale Chimpanzee Project na Uganda ocidental desde 1987. Sempre teve grande interesse por chimpanzés?
Sempre me interessei pela natureza. Comecei como observador de pássaros e depois quis me aventurar em lugares selvagens. Houve um intervalo entre o colegial e a faculdade em que morei na Zâmbia, e isso despertou em mim um interesse pela ecologia comportamental – era assistente de um biólogo que trabalhava para o departamento de animais selvagens. Era um lugar incrível, com quilômetros e mais quilômetros de florestas com todos os tipos de animais.

Teve a oportunidade de estudar chimpanzés nessa época?
Não. Não estava concentrado nos primatas naquele momento. Mas então fui estudar na University of Oxford e no meu primeiro dia entrei para o clube de expedições, para ver se surgiria alguma oportunidade de trabalhar na África novamente. Quando saí da faculdade, já tinha bastante experiência no continente africano. Fiquei realmente interessado em estudar os animais como uma forma de entender a evolução dos sistemas sociais humanos: se há similaridades entre humanos e animais, então vamos descobrir de onde elas vêm. Escrevi uma carta para Jane Goodall em julho de 1970 [para pedir trabalho] e em novembro fui para Gombe.

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